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Corpo de dor - efeitos no corpo como resultado do ecossistema político, econômico e social



A proposta deste ensaio tem como intuito fazer a intersecção entre os campos de estudo de três nomeados antropólogos, estes, Michel Foucault, Didier Fassin e Veena Das em suas perspectivas acerca da saúde, sofrimento e as políticas da vida.

No estudo da antropologia presente, nos debruçamos sobre a incisão do poder econômico, político e social sobre a vida e o corpo, as dores, sofrimentos e como a saúde se condensa como agente testemunha.


Foucault aborda suas teorias acerca de como o poder e o conhecimento são estruturas produzidas para controle social utilizando as instituições como meio para que esse domínio se faça presente, incluindo hospitais e o campo médico. Enquanto isso, Didier Fassin, médico e antropólogo, debruça suas pesquisas em relações sociais, políticas e morais nas sociedades contemporâneas pensando desde esse lugar da saúde. Trazendo Veena Das para imergir em seu campo de trabalho que é a violência, o sofrimento social e o Estado. Nas perspectivas de Das, a partir do sofrimento, também se aborda os efeitos do poder político, econômico, institucional e social sobre as pessoas, analisando esses fatores como influenciadores de problemas sociais como saúde, bem estar e moralidades.


Desenvolvimento


De acordo com Mary Douglas, “a experiência física do corpo sempre modificada pelas categorias sociais por meio das quais ele é conhecido, sustenta uma visão específica de sociedade. Há uma troca contínua de significados entre os dois tipos de experiência corporal, de modo que cada uma reforça as categorias da outra. Como resultado dessa interação, o próprio corpo é um meio de expressão altamente restrito. As formas que ele assume em movimento e repouso exprimem pressões sociais de diversas maneiras” (DOUGLAS, 1998. p 159).


Foucault toma em diversos textos o poder e os sentidos da vida social como foco de suas análises. Em sua obra “Em Defesa Da Sociedade” (FOUCAULT, 1979) explica que quando os indivíduos decidem ter um soberano, eles fazem isso para garantir a vida, pois querem viver, necessitando assim de proteção. É para se ter o direito de viver que distingue um soberano. Porém, quando se dá ao soberano o direito da vida, ou seja, o direito de fazer viver, também o dá a permissão de deixar morrer. E assim se começa o diálogo das tecnologias de poder.


No final do século XVI e decorrer do século XVIII se instala toda a tecnologia de disciplina do trabalho, onde corpos são subjugados a vigilância e punição, através da tessitura de se tornarem úteis, desde o alinhamento físico ao estrutural, para servirem a esse sistema. Aqui se estabelece “o corpo máquina”, onde o meio de integrar indivíduos ao sistema de controle e econômico se dá extorquindo suas forças, tornando-o útil e dócil.


No final do século XVIII se apresenta uma nova tecnologia de poder, do qual Foucault chama de biopolítica da população, não excludente em relação à primeira, mas que se coloca em trama com a mesma, onde se dirige a vida do homem vivo. Não apenas ao homem corpo, mas aos homens em outras pluralidades, essas que se condensam em processos biológicos de proliferação, poder no nascimento, na morte, na vida, nas doenças, na saúde e outras várias formas de intervenção e controles reguladores da vida. Essa tecnologia se debruça no “homem-espécie”, como massa global; A partir desse momento, a anátomo-política, política essa que é caracterizada pela individualização do corpo, se transpassa à biopolítica.


Desse ponto, será observado a doença não como algo que produz morte, mas como algo que enfraquece, desestabiliza e diminui a vida. Foucault aponta também esse poder dentro dos hospitais, assim como da medicina; essa que agora se preocupa com a higiene pública, a centralização da informação, normalização do saber, medicalização da população, efeitos do meio, entre outros, pois nesses lugares que a biopolítica extrai o seu saber e define seus pontos de intervenção, lidando com a população como um problema político, biológico, científico, e de poder. A biopolítica faz seu campo de intervenção nos fenômenos coletivos, que estão interconectados com seus efeitos econômicos e políticos. Esses fenômenos se estabelecem em duração, como fenômenos de série. Para se manter um equilíbrio nessa sociedade, são precisos mecanismos reguladores que otimizam a vida e incluem os mecanismos disciplinares. Todavia, mecanismos estes que estão acoplados em um plano de equilíbrio e regulamentação global.


A partir do século XIX há a configuração de uma tecnologia política da vida para controlar os corpos e as populações dentro da cidade operária, utilizando a individualização dos seres, a tecnologia disciplinar, enfatizando Instituições como as escolas e o Exército, como ambientes usados para disciplinar e condicionar os indivíduos aos sistemas econômicos úteis para o Estado. Assim como também, quanto aos sistemas de saúde, há a atenção às estatísticas dos dados da população e o controle sobre natalidade, saúde, habitação, regras de higiene, pressão sexual, cuidado às crianças, etc. Estabelecendo aqui a medicina também como um poder disciplinar e regulamentar em mesma instância. Fincando aqui, para Foucault, as condições impostas para a estruturação do capitalismo.


Se estabelece então as duas tecnologias. Onde uma é uma tecnologia disciplinar, do corpo, “corpo como máquina”, corpo individualizado e outra uma tecnologia de previdência, da regulação da população, “corpo-espécie”, corpo em processos biológicos do conjunto; porém ainda, duas tecnologias do corpo, do qual em conjunto, Foucault conceitua-as como biopoder. Dessa forma, o biopoder tomou conta da vida, desde seu processo orgânico à biológico, desde o indivíduo à população; desencadeando ferozmente em um controle como princípio de manutenção da vida, mais consideravelmente nas cidades. O autor observa a importância da norma para regulamentar e corrigir os indivíduos, cruzando as duas tecnologias; esta norma que se estabelece na sociedade designa-a como uma sociedade de normatização.


Há ainda uma outra dimensão para que o biopoder se faça valer e esta é o racismo. Foi a partir do racismo, para Foucault, que se poderia estabelecer o que deve morrer e o que deve viver. A partir da segmentação, separação, das fissuras que se coloca sobre o campo biológico que se estabeleceu as raças e assim se definiu quem é mais forte e quem é mais fraco. É a partir do racismo que a sociedade de normatização faz jus e o Estado dispõe de sua função assassina indireta, como a deliberada exposição à morte dos viventes. Aqui, racismo, evolucionismo, colonização, genocídio, normatização e biopoder caminham como grandes aliados.


Didier Fassin, dialogando em questões sobre saúde e doença, baseia-se no pensamento de Foucault e traz problematizações sobre esse composto saúde, corpo e poder sobre a vida. A partir do que Foucault denominou biopoder como o poder sobre a vida, Fassin fala sobre a reelaboração desse poder, do qual define como biolegitimidade, que é “a prioridade dada aos vivos na administração dos assuntos humanos” sendo o reconhecimento pessoal dado em primeiro pelo reconhecimento de seu sofrimento ou de seu corpo alterado, ou seja, o reconhecimento social sobre as questões do corpo sofredor ou doente (FASSIN, 2004).


O autor cita Giorgio Agamben quando fala sobre biopolítica desde a análise da palavra vida e suas contraposições: zoé, que se destina a vida biológica, do qual ele chama “vida nua” e bios, que é a vida social, do qual ele designa de vida política. Então, para Fassin, biolegitimidade é a fusão desses significados, ou a “refundação da vida política na vida biológica”.


“Deve-se falar em poder da vida, entendendo nessa expressão o reconhecimento que a sociedade estabelece em relação ao corpo que sofre ou que está doente. Estabelece-se um valor maior a uma biolegitimidade do que a um biopoder. Através dessa palavra, trata-se de enunciar uma ordem de valores - e não uma hierarquia de poder - que se estabelece no mundo contemporâneo e das quais as traduções concretas são inomináveis, tanto em relação ao plano local de ação da saúde pública como em relação às cenas mundiais da ação humanitária (FASSIN, 2004, p. 303).


Quando se fala sobre saúde do vivente, em “Entre a Política dos Vivos e a Política da Vida: Para uma Antropologia da Saúde” (FASSIN, 2004) aponta que de acordo com o construtivismo, o que chamamos de saúde é “o resultado do trabalho individual e coletivo dos agentes a partir de modelos e imagens, considerando conflitos e controvérsias, mobilizando alianças e desenvolvendo estratégias.” (FASSIN, 2004. p 297), já de acordo com o realismo, “analisa como os fatos atribuídos a uma natureza são também produtos de estruturas e de agenciamentos, de níveis de diferença e processos de desigualdade, da ação pública e de iniciativas privadas que tem por efeito prevenir ou acelerar a carência ou o sofrimento.” (FASSIN, 2004. p 296). Designando assim, saúde como uma construção social onde são os agentes que definem o que seria saúde e doença e, ao mesmo tempo, uma produção social, tendo em vista que a “ordem do mundo” se inscreve sobre os corpos. Observando tanto uma "sanitização" quanto uma “politização” da saúde.


Abarcando a discussão, “a saúde pode ser definida como a relação do ser físico e psíquico, por um lado, e o mundo social e político, por outro”(FASSIN, 2004. p 286). Essa relação se estabelece não de forma individual para se falar sobre uma boa ou má saúde. De forma histórica, há uma competição entre os agentes que estabelecem suas visões acerca do que é saúde e quais são os problemas atrelados a isso, assim como também determinando as práticas para tratamento do corpo, desde o corpo físico ao psíquico.


Fassin recorre aos escritos de Hans-George Gadamere para conceituar sobre a saúde onde o mesmo diz que não se fabrica saúde por três justificativas: “a vida humana é uma forma particular da natureza”, ou seja, o humano é resultado do jogo entre natureza e cultura; “a saúde é um atributo dos vivos”, ou, a saúde é uma produção social e “ a medição da saúde é uma objetivação desse atributo” ou seja, o trabalho de objetivação contribui para a produção e por isso, é indissociável da subjetivação. E desde essas afirmações, Fassin propõe uma antropologia da saúde.


O autor pontua também Maurice Godelier e Michel Panoff quanto a suas falas de “produção do corpo” onde agentes impõem seus sentidos de ordem, ao invés de outros, intensificando como a realidade social se estabelece como registro da saúde física e mental, dando como exemplo as crianças que sofrem maus tratos. E dentro desses parâmetros, se vê a intervenção dos profissionais da saúde mas também do social, da pedagogia, dos tempos livres, sendo assim, a saúde pública, o sofrimento físico ou mental se tornam o objetivo da ação comum. Assim como também analisa as formas de inscrição corporal a partir das estruturas e normas da sociedade, chamando isso de “incorporação”, o que se dão dois conceitos que ilustram bem essa relação da sociedade e do tempo. Pode-se falar sobre “a condição social para designar a maneira como as estruturas sociais se inscrevem nos corpos” e “a experiência histórica para qualificar a forma como esses fatos são vividos, interpretados e relatados” (FASSIN, 2004). Levando assim as dimensões objetivas e subjetivas, individuais e coletivas.


Esse corpo funciona então como um testemunho tendo em vista que ele materializa as inscrições da sociedade e do trabalho no tempo, sendo assim a doença algo datado como físico e material pois também acopla uma linguagem de narrativa coletiva e individual, tema que Veena Das também traz incorporação em seu trabalho.


Assim como conceituou Foucault sobre o biopoder e seus mecanismos de controle, Veena Das se ampara de certa forma em seus conceitos e parte de pontos de vista relativamente congruentes com o de Fassin quando pontua as perspectivas onde a dor se estabelece desde onde a sociedade infiltra-se como propriedade sobre os indivíduos e também onde a dor se estabelece como sintoma individual, porém representa o dano histórico causado em seu corpo como uma memória inscrita. Dentro desse parâmetro resta a dúvida em destacar a dor como uma possibilidade de nova relação ou como a destruição do senso de comunicação em comunidade. Pontua Das como essa questão é relevante diante um “século de genocídio”.

Fica subscrita a visão da doença como a representação de uma realidade de esfera social e, consequentemente, construída.


Das recorre aos escritos de Kleinman e Kleinman quando aborda como o corpo experimenta o desconforto pessoal e político analisando como se dá a linguagem corporal em situações que a experiência se desloca da normalidade. Porém, se destaca a questão se essa teoria do sofrimento se contempla em colocações onde o corpo media a existência individual e social numa construção de uma experiência normal, pois, olhando mais especificamente nos ritos de batismos tradicionais em estudos apontado por Das, como exemplo, há a obrigação de submissão a mutilações no corpo e nesse lugar, visualizamos a dor não como crítica social mas como forma de integrar o indivíduo numa sociedade moral.


Das pontua um dos ensaios de Pierre Clastres quando escreve sobre a “tortura” em ritos de passagem para jovens ingressarem na vida adulta, sendo vistos como parte integrante do ciclo de rituais. Analisa nesses rituais que as sociedades tradicionais, ou primitivas, como assim ela denomina, a tortura se faz como essencial. Se questiona assim se essa tortura não se faz para medir a capacidade de resistência física e se não é uma forma de assegurar a qualidade dos membros de uma sociedade. Além de toda a tortura no ritual em si, há as feridas que permanecem no corpo, marcando assim esses homens. Marca que é infiltrada no corpo e que a partir dela se estabelece uma memória. Finalizando o ensaio de Clastres designando o ritual de iniciação como uma “pedagogia de afirmação e não de diálogo para se vêem como membros de uma comunidade, sendo essas marcas a constatação da lei da sociedade, não mais do rei ou do Estado.


Quanto aos pensamentos de Durkheim, Das transcreve como essa transformação do corpo se coloca como testemunho da fusão do individual e social, como essa marca é a prova de que esses indivíduos participam dessa vida moral em comum, assim como pontua Fassin.

Durkheim aponta sua visão evolutiva do corpo como terreno de demarcações encontrando algo universal, visto como “cultura humana”, analisando como a sociedade estabelece que seus membros necessitam “aprender a sofrer a dor como preço para pertencer a eles.”


A dor se enfatiza como “uma expressão condensada do trauma do indivíduo e pode ser interpretada como a produção de críticas por meio do corpo devido às injustiças a que o indivíduo foi submetido” (DAS, 2008. p 416). Porém, ela enfatiza que “há histórias secretas na sociedade que se encontram nos estragos causados pelos acontecimentos políticos no corpo e na alma dos homens e mulheres” (DAS, 2008. p 416). E nas duas vias, esse problema se estabiliza como memória.


Recorrendo a Nietzsche quando o mesmo considera que a relação da sociedade com o indivíduo se estabelece como credor e devedor, e o que a sociedade extrai do indivíduo é o seu corpo como objeto de posse do qual inflige dor, essa convivência social se definiu por causa de promessas e memórias construídas por meio de regras do contrato, se estabelecendo entre dano e dor.


Nessa reflexão definimos a equivalência entre dano e dor, pois é possível infligir dor em alguém que causou um dano e não cumpriu suas obrigações, onde isso é visto como justo. E essa memória é criada a partir da dor tendo como referencial o futuro. Em terceiro ponto, não dar ao credor o que prometemos, é submeter o próprio corpo a “qualquer tipo de indignidade e tortura” inclusive perder seus direitos e bens.


Durkheim e Clastres também vêem a memória sendo criada a partir da incisão da dor. Porém eles igualam todos os que participam dos rituais onde a dor é infligida, enquanto Nietzsche reflete como a dor separa o devedor do credor. Por seguinte, Das se questiona se a aceitação da dor cria uma comunidade moral, ou cria o sentimento de individualidade tendo em vista que a dor é legitimada pelo não cumprimento de suas obrigações e desde que essa experimentação como devedor é para si mesmo em relação à comunidade, tendo em vista que essa afirma direito sobre a pessoa.


A autora pontua como a violência aniquila a linguagem deixando para o corpo o espaço de construir esse espaço mediador entre o indivíduo e a sociedade assim como também entre passado e presente


É destacado como a antropologia social visa essa questão do sofrimento na vida cotidiana porque assim a visão se amplia para as instituições sociais observando como as mesmas estão introduzidas no caminho da produção do sofrimento e na criação de uma sociedade que saiba lidar com ele, pontua Das.


A dor entra no aspecto das criações sociais e morais, e um sinal de ilegitimidade da dor está proposta nos momentos cotidianos da vida, como no trabalho, onde o corpo dedica-se a “reproduzir-se a si próprio e a ordem social de que faz parte” (DAS, 2008. p 443).


Quando se traz Karl Marx para o contexto, ele se interessa pela jornada de trabalho do trabalhador, e assim ele descobre que as lutas entre capital e trabalho eram instrutivas, onde, para ele, a administração racional da dor tem um objetivo pedagógico de criar corpos dóceis para o capital, assim como pontua Foucault. O trabalhador desgasta o seu corpo, seu único meio de sobrevivência, em prol do capitalista através da realização do trabalho e manutenção do lucro; Marx avalia como o corpo se situa nessa economia política, definindo produções, condições e distribuições do sofrimento.


Então, para Dass, o sofrimento é um fenômeno ativamente produzido e administrado pelo Estado. E esse sofrimento se destaca desde a cotidianidade da rotina como em eventos graves. Levando em conta que os fatores políticos e econômicos moldam a distribuição do sofrimento nesse mundo contemporâneo.


Considerações finais


Nesse ensaio, pudemos ver como o corpo incorpora os registros do Estado, Instituições e sociedade como corpo político. Que desde a célebre análise de Foucault sobre biopoder pode-se ver como as duas tecnologias de poder ganham extensões para respirar nos corpos sociais e tanto treiná-los para serem dóceis e disciplinados como também para terem controle do corpo em suas nuances objetificadas. Foucault entrelaça suas teorias nos autores seguintes por trazer a constituição da relevância do Estado, das Instituições, da deliberação da exposição à morte, do constructo do capitalismo, globalização e do insalubre genocídio praticado, quesito retomado por Das, quando intercecciona os poderes sobre a vida quanto a saúde, a doença e o corpo de dor. O corpo individual carrega em si digitais do corpo social sendo assim o mesmo tratado como um problema político, biológico, científico, econômico.


Na fundação do que se designa saúde, através e por Fassin, o corpo físico se relaciona com o corpo político, econômico e social, disparando as questões que Das traz quando se observa o corpo em dor como terreno de demarcações culturais. Fassin faz um apanhado de significâncias para denominar o que seria saúde e dialogar assim com a doença, o sofrimento e a dor, chegando ao ponto onde a saúde sempre se depara com o movimento individual em trama com o coletivo, o subjetivo com o objetivo, a produção social e as fissuras que carregam os corpo demarcados.


É trazido a questão sobre saúde quando, retomando os enunciados de Fassin, o gerenciamento do que seria bom ou ruim quanto aos estados de saúde está colocado nas mãos dos agentes que definem esses estados e quais são os objetivos terapêuticos, intensificando a colocação da conexão entre quem define e quem escolhe o que se instaura em seu próprio corpo como uma ordem mundial, observando assim a saúde como uma produção social.


Fassin analisa como o corpo interpreta as experiências e como essas mesmas experiências sociais se inscrevem no corpo, funcionando assim como corpo testemunho, lugar de fala de Veena Das quando a mesma posiciona o lugar da dor como essa inscrição da infiltração da sociedade desde um lugar institucional nas fissuras dos corpos individuais. O dano histórico se torna a memória inscrita. E Durkheim e Clastres, às citações de Das, colocam isso como memória fabricada a partir da incisão da dor.


Fassin e Das dialogam com a perspectiva da doença, assim como a dor e o sofrimento, e ainda tão quanto a saúde, como a representação do contexto social construída na esfera do indivíduo; fato que tanto pontua Foucault em suas análises.


Destrinchando sobre os ritos de passagem para elaborar análises sobre a dor, Das descreve a partir de Clastres, como a tortura praticada nos ritos dão aos “iniciados” a validez para serem membros de uma determinada sociedade moral. Nos rituais, o corpo é também marcado por essas experiências não deixando com que aquele processo se esvaia da memória, apropriando-se do corpo para fabricar memórias de dor e tortura como condição de qualificar os membros daquela sociedade.


A dor está deliberada, assim como pontua Foucault quando fala da exposição à morte quanto ao biopoder e trazendo Nietzsche enfatizando que para cada dano que um corpo causa a sociedade, dano esse classificado pela mesma esfera social, uma dor como retorno é causada em fundações de justiça e apropriação de corpos.


Abrimos então as colocações de Michel Foucault, Didier Fassin e Veena Das para elaborar como o corpo individual se coloca como um território coletivo em suas fabricações de dores e sofrimentos e definições de saúde e doença. O Estado, as Instituições, a política, a economia direciona a sociedade, e essa mesma, agencia o que é bom ou ruim, suas punições, objetificações e colocações para com o corpo individual. Esse mesmo corpo pulsa em perspectivas onde vivencia as histórias sociais e as histórias sociais se acoplam no corpo, seja este físico, seja este psíquico. Um corpo demarcado, inscrito, arranhado, e produto do ecossistema.


Bibliografia


DAS, Veena. Etnografías de la cotidianidad (Parte IV). Em: sujetos del dolor, agentes de dignidad / ed. Francisco A. Ortega. – Bogotá : Universidad Nacional de Colombia. Facultad de Ciencias Humanas : Pontificia Universidad Javeriana. Instituto Pensar, 2008. Pág. 407-472.


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FASSIN, Didier. Entre las políticas de lo viviente y las políticas de la vida: hacia una antropología de la salud. In: Revista Colombiana de Antropología. v.40, enero-diciembre 2004. Pág. 283-318.


FOUCAULT, Michel. “Aula de 17 de março de 1976”. Em: Em defesa da Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2018.


FOUCAULT, Michel. “O direito de morte e poder sobre a vida”. Em: História da Sexualidade: a vontade de saber. 7ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra. 2018.


FOUCAULT, Michel. “O nascimento do hospital”; “A governamentalidade”. Em: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979.


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